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"Polunin - Flowers of South-West Europe - revisited" (Vol. I - Introdução - 371 pp.) (-> Polunin - Flowers of South-West Europe - revisited" -> View & Download (Vol. II - Portugal - 1559 pp.) -> View & Download

(contains Web links to Flora-On for observed plant species, Web links to high resolution Google satellite-maps (JPG) of plant-hunting regions from the Iberian peninsula; illustrated text in Portuguese language)



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Polunin - Flowers of South-West Europe - revisited - última compilação

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segunda-feira, 9 de setembro de 2013

2.13.2a - Serra da Estrela (Introdução)


“Flowers of South-West Europe - a field guide” - de Oleg Polunin e B.E. Smythies


“Revisitas” de regiões  esquecidas no tempo - “Plant Hunting Regions” - a partir de uma obra de grande valor para o especialista e amador de botânica como da Natureza em geral.



Por
Horst Engels, Cecilia Sousa, Luísa Diniz, Nicole Engels, José Saraiva, Victor Rito
da
Associação “Trilhos d’Esplendor”



2.13 The Northern Serras of Portugal



2.13 As Serras do Norte de Portugal
2.13.2 Serra da Estrela
    1. Introdução
      1. Geografia, Clima, Geologia, Geomorfologia e Solos
      2. Bioclima, Biogeografia, Vegetação actual e potential
      3. Zona de Baixa Altitude (meso-temperada e meso-medetirrânica)
    2. Introdução (cont.)
      1. Zona de Média Altitude (supra temperada e supra-mediterrânica)
      2. Zona de Alta Altitude (oro-temperada)
    3. Os Habitats da Serra da Estrela
      1. Florestas
      2. Charnecas e Matos
      3. Formações herbáceas
      4. Ambientes aquáticos
      5. Ambientes rochosos
      6. Turfeiras altas
      7. Habitats rurais
    4. “Cultural Landscapes of Europe” - Serra da Estrela, uma paisagem tradicional
      1. Mudança climática e sucessão vegetational no Holocénico
      2. Acção antropogénica e degradação florestal no Holocénico
      3. Um modelo para a gestão da Serra da Estrela
    5. A Fauna da Serra da Estrela
      1. Observação de Aves na Serra da Estrela
      1. O Sítio Estrela
      2. Lista dos Habitats
      3. Introdução à Bioclimática
      4. Introdução à Biogeografia
      5. Introdução à Fitossociologia


 


2.13.2 Serra da Estrela (Introdução)




O livro “Flowers of South-West Europe - a field guide” de Polunin & Smythies oferece uma boa e brêve descrição da Flora da Serra da Estrela para quem visita esta serra e gosta descobrir plantas raras e de interesse botânico.


Um guia geobotânico excelente sobre a Serra da Estrela encontra-se no “Geomorphological Guide of the Serra da Estrela” de Jan Jansen, editado em 2002 pelos Serviços Nacionais da Conservação da Natureza (ICN) de Portugal. No entanto, este guia está neste momento esgotado (re-edição previsto)[1].


Jan Jansen publicou também em 2011 a sua tese de doutoramento sobre  “Managing Natura 2000 in a changing world: The case of the Serra da Estrela (Portugal)”[2][3][4]. Neste trabalho está em focus o abandono recente de regiões pouco povoados com estruturas agrícolas e agro-florestais antigas. O trabalho oferece como possível solução de conservação uma proposta de aplicação de um modelo antigo e largamente abandonado da agricultura (modelo por infield-outfields) que pode servir de novo para uma gestão futura e conservação de regiões com elevada biodiversidade e com uma herança cultural valiosa do homem.


O Parque Natural da Serra da Estrela, integrado na Rede Natura 2000 como área protegida e Reserva Biogenética,  é um caso exemplar de uma paisagem cultural  fazendo parte de um projecto maior (PAN) ao nível europeia da conservação de paisagens culturais.


Por isso, no seguinte não tentamos  apenas relatar sobre o valor botânico desta serra, mas também focar nas estruturas socio-económicos que podem ser de grande importância para uma gestão futura da região.



Polunin & Smythies escrevem (pp.101-106) sobre a Serra da Estrela:


The Serra da Estrela is the highest range in Portugal; the mountains just fail to reach 2000 m, and form a high barrier across the centre of the country from south-west to north-east. They are old-fold mountains, formed of old crystalline and palaeozoic rocks, and are the westernmost range of the Central Sierras of the peninsula. Their summits are rounded and grassy. Huge granite tors lie scattered over their surface, recalling Dartmoor or parts of Scotland; and deep glacial valleys, like that of the Zezere, give striking evidence of the importance of ice and snow during the last ice age. There are glacial lakes, and extensive moraines occurring as low as 700m.
Today, snow lies on the heights from November to April, and being relatively near the Atlantic, a rainfall of over 2500 mm (l00 inches) a year may occur. In consequence, a great variety of climates and vegetational types is found. Olives and vines, mixed with forests of Maritime pine, may grow up to altitudes of 800 m in warm pockets, and the vegetation may be predominantly of Mediterranean type, with *Cistus ladanifer, *C. crispus, *C. salvifolius, and the handsome *Lavandula stoechas making fine splashes of purple.







Above this, from 800-1500 m, there is a montane zone, with forests of Pedunculate oak, chestnuts and pines, and an undergrowth mainly of ericaceous shrubs such as *Erica australis, *E. arborea, and a little *E. umbellata, *E. lusitanica, and Calluna vulgaris. At lower levels in this zone the common broom, Cytisus scoparius is a magnificent sight in early June, with tall bushes 2 m or more high covered in masses of large golden-yellow flowers; while higher up *C. striatus, *C. purgans, and the white-flowered *C. multiflorus are common. Also present are *Arenaria montana, Ranunculus nigrescens, Genista cinerea, Centaurea paniculata, Luzula lactea, and Stipa gigantea.






Natural forests are rare, but near Poco do Inferno (The Well of Hell) at 1000 m there are forests of the Pyrenean oak, *Quercus pyrenaica, with such species as:





In the montane zone, rye may be cultivated up to 1600m in temporary fields for the period of a single year, after which they revert to secondary heath composed of *Cytisus multiflorus, *Halimium alyssoides, and bracken, often covering vast areas. The uncultivated heathlands have a richer flora.






The alpine zone is characterized by the dwarf juniper, which occurs above 1500m. In such a harsh climate, with up to thirty-five days of snow each year, the absence of trees is not surprising, although they occur elsewhere at comparable heights on other mountains of the peninsula .
The summits are covered with a heavy sward of Mat grass, Nardus stricta, very similar to some of our own mountain pastures. Low bushes of Juniperus communis subsp. nana less than 1/2 m high form scattered clumps. The associated species are few and include: Rumex acetosella, Arenaria aggregata, Cerastium gracile, Paronychia polygonifolia, Sedum arenarium, Galium saxatile, Pedicularis sylvatica, Plantago radicata. Gentiana pneumonanthe, and *Narcissus bulbocodium var. nivalis.






On the rocky parts of the Serra can be found :






and *Saxifraga spathularis + in wet flushes, and Leontodon hispidus + in its only locality in Portugal.
The best centre for exploring the Serra da Estrela is the magnificently Pousada de São Lourenco, high above the small spa of Manteigas. Mid-April to mid-May is the best time to make a visit for the bulbous species, while June and July are better for other plants and even later on the summits.


Round the Pousada *Chamaespartium tridentatum turns whole hillsides into gold, and *Erica australis makes splashes of purple. The small purple *Linaria elegans may be seen occasionally by the roadside, but it is not nearly as common here as on the Sierra de Gredos in Spain.





*Saxifraga spathularis + and S. continentalis + like wet places by streams and waterfalls, while *S. granulata is more widespread. The attractive white daisy Phalacrocarpum anomalum + and the sticky *Silene foetida + may be seen on steep shady rocks, especially at the Poco do Inferno, a waterfall accessible by a pleasant forest road 7 km above Manteigas. To reach the higher ground, take the road to Penhas Douradas a collection of holiday bungalows about 5 km from the Pousada. From here, a magnificent mountain walk of three to three and a half hours over easy ground, up the gently sloping main ridge, will lead to the summit of Torre, 1991 m.





At the end of April the bulbous plants are at their best. The. charming little *Narcissus bulbocodium var. nivalis and *N. asturiensis + may be seen in their thousands, covering wide stretches of brown turf, while *Crocus carpetanus, in all shades from deep purple to almost white, grows in patches near melting snow. *Narcissus rupicola + is less common and is found growing in rock crevices, or in the shade of huge rocks. In ponds and streams grows an aquatic Ranunculus, R. ololeucos +, with particularly large white flowers 2,5 cm across. Six weeks later the dwarf shrubs are coming into flower; mainly *Erica australis and *Halimium alyssoides, with a little *Erica umbellata while *Echinospartum lusitanicum + grows at the higher levels. Another crocus, C. asturicus +, flowers here in the autumn. The yellow-flowered Viola langeana may be seen in May beside the road.



Geografia, Clima, Geologia, Geomorfologia e solos




    Localização geográfica da Serra da Estrela (From J. Jansen, 2002)


A Serra da Estrela situa-se no norte-este de Portugal e grande parte da serra encontra-se dentro dos limites do Parque Natural da Serra da Estrela. Criado em 1976, o Parque Natural da Serra da Estrela (PNSE) apresenta-se em forma de planalto e estende-se numa superfície de 101060 ha. Distribui-se pelos concelhos de Celorico da Beira, Covilhã, Gouveia, Guarda, Manteigas e Seia nos distritos da Guarda por Norte e de Castelo Branco por Sul. É a mais extensa Área Protegida de Portugal. Parte integrante da Cordilheira Central, que separa o Norte e o Sul de Portugal, este maciço granítico vê nascer os rios Zêzere, Mondego e Alva. O Parque alberga o maior vale glaciar aberto, em ”U”, da Europa e é onde se situa o ponto mais elevado de Portugal Continental, a 1993 m de altitude. No âmbito da Rede Natura 2000, uma rede europeia de áreas naturais com o objectivo de conservação da biodiversidade, o PNSE está classificado como Sítio de Interesse Comunitário ao abrigo da Directiva Habitats. Desde 1993 que o Planalto Central da Serra da Estrela é reconhecido como Reserva Biogenética, pelo Conselho da Europa. Deste modo, constitui habitat para uma grande diversidade de espécies de fauna e flora com estatuto prioritário de conservação.
Junto com as serras do Açor (1.349 m NN) e da Lousã (1202 m NN), a Serra da Estrela constitui a parte ocidental da Cordilheira Central. Este maciço estende-se com mais do que 500 km numa direção este-oeste pela Península Ibérica e divide o sistema das bacias hidrográficas de drenagem para o atlântico na do rio Douro por Norte e na do Tejo por Sul.


O clima da Serra da Estrela, e com isso a distribuição de temperatura e precipitação, tanto espacialmente como temporalmente, são assuntos complexes.  
Tanto a temperatura como a precipitação são controladas na Serra da Estrela por um lado (latitudinalmente) pelas influênças provenientes do clima temperado do Norte versus o clima mediterrânico do Sul, e de outro lado (longitudinalmente) em relação às influenças marítimas do Atlântico direcionadas de oeste para este e as do clima continental do Interior da Península Ibérica (meseta) direcionadas em sentido contrário de este para oeste.
Em geral, a influença do atlântico predomina nas partes oeste e altos da serra (devido ao vento predominantemente de oeste) enquanto as influenças mediterrânicas aumentam nas encostas de leste e sul, como em vales protegidos dos ventos atlânticos. Também condições microclimáticas são muito importantes para a vegetação da Serra da Estrela.
A Serra da Estrela torna-se devido às influenças atlânticas numa das regiões mais pluviosas da Península Ibérica, com precipitações anuais, nas zonas altas da serra, acima de 2.500 mm.


As características geológicas e geomorfológicas da Serra da Estrela que foram determinadas ao longo das orogeneses hercínicas e alpinas e durante às últimas glaciações no Quaternário, estão bem documentadas num artigo sobre a “Geologia da Serra da Estrela” aqui reproduzido no seguimento a um “olhar sobre a Serra da Estrela”:


Geologia da Serra da Estrela
A Serra da Estrela é um maciço montanhoso culminante de Portugal e constitui a parte oriental de um alinhamento, que se estende cerca de 115 Km, desde a região da Guarda até ao maciço da Lousã (Galopim de Carvalho et al., 1990).
A Serra da Estrela é constituída por planaltos alongados na direcção SW-NE. As altitudes mais elevadas encontram-se do lado Sudoeste, no chamado Planalto da Torre, onde se atinge a maior altitude de Portugal continental, a 1993 metros. As altitudes vão diminuindo gradualmente para Noroeste, até que, por alturas da Guarda, a montanha quase se confunde com os planaltos da Beira Transmontana. Isto significa que a Serra da Estrela é sobretudo imponente do lado Sudoeste, levantando-se dos planaltos e depressões circunstantes por vertentes de várias centenas de metros de altura (Ferreira & Vieira, 1999).
          Este dispositivo geral da topografia é devido, essencialmente, a deslocações tectónicas, que levantaram a montanha dos planaltos envolventes e a balançaram para Nordeste. As escarpas que a limitam são escarpas de falha, com uma evolução relativamente longa, que devem ter dado origem à actual Serra da Estrela há, pelo menos, 200 milhões de anos (Ferreira & Vieira, 1999).
           No entanto, os grandes desníveis que se observam na Serra da Estrela não são devidos, apenas, a deslocações tectónicas. Eles devem-se, em grande medida, aos profundos entalhes dos rios, induzidos pelo próprio levantamento da montanha, a partir dos planaltos marginais. Por sua vez, as falhas que cindem o interior da montanha são também responsáveis pelos entalhes fluviais mais profundos, pois o esmagamento tectónico das rochas facilitou o encaixe dos rios. Exemplo disso é o majestoso Vale do Zêzere, a montante de Manteigas. Isto significa que, na formação das linhas gerais do relevo da Serra da Estrela, houve uma interacção permanente entre a tectónica e a erosão fluvial (Brigas, 1992).
           Mas, se descermos algumas dezenas ou centenas de metros apenas, as formas de terreno que observamos a cada passo podem ter origens bem diversas. Umas dependem da natureza das rochas, nomeadamente das rochas graníticas, outras estão relacionadas com climas muito mais frios que o actual, que ocorreram no Quaternário recente, particularmente à cerca de 20 000 anos, em que a temperatura atmosférica desceu pelo menos 10º C e a parte mais alta da Serra da Estrela ficou coberta por glaciares (Galopim de Carvalho et al., 1990).


Como se formou a Serra da Estrela?
         
          Podemos, de uma forma sintética, iniciar a história de formação da Serra da Estrela retrocedendo a um período, que remonta a 650 milhões de anos, no Precâmbrico. Em meio marinho, foram acumulando-se sedimentos terrígenos, resultantes da erosão de continentes então existentes (Fig. 1). Este empilhamento de material sedimentar estendeu-se até ao Câmbrico médio-superior, acerca de 500 milhões de anos, atingindo uma espessura estimada em alguns quilómetros. Esses sedimentos, que apresentam características de bacias sedimentares profundas, foram depositando-se em camadas alternadas de sedimentos argilosos muito finos e sedimentos de composição arenosa fina e argilosa que, por diagénese e metamorfismo, deram origem, respectivamente, às rochas xistentas e aos grauvaques, formando o Complexo Xistograuváquico (Fig. 1) (Ferreira & Vieira, 1999).
          No Devónico médio, há 380 milhões de anos, inicia-se uma fase de movimentos compressivos, designada por Fase 1, que inicia a Orogenia Hercínica, durando até ao final deste período, há 360 milhões de anos. Esta força compressiva afectou os sedimentos marinhos depositados anteriormente, provocando dobras de plano axial subvertical, com orientação NO-SE (Fig. 2) (Ferreira & Vieira, 1999).
Durante o Carbónico, há 330 milhões de anos, uma nova fase compressiva, Fase 3, origina novos dobramentos com a mesma orientação da Fase 1, instalando-se, simultaneamente e em profundidade, a grande massa de granitos (Fig. 2). Estes não se instalam num único impulso, mas ao longo de um período relativamente longo, que se inicia aos 320 e se prolonga até aos 290 milhões de anos. O final da Orogenia Hercínica, há 240 milhões de anos, é marcada pela fracturação das rochas formadas, com direcção NNE-SSW a ENE-WSW e NNW-SSE a NW-SE (Ferreira & Vieira, 1999).
          Um período de tempo relativamente longo decorre então. Por erosão dos níveis superiores da crosta, esta, por alívio de carga, vai subindo, trazendo de níveis mais profundos até à superfície, as rochas aí formadas. Este período, que decorreu durante o Mesozóico, provocou o arrasamento geral do relevo e deu origem a uma superfície aplanada, que se estendia pela Península Ibérica (Fig. 3) (Galopim de Carvalho et al., 1980).
No início do Terciário, novas forças de compressão, desta vez relacionadas com os movimentos alpinos, vão provocar o rejogo das antigas falhas hercínicas, que passam de falhas de desligamento a falhas inversas.
          No Miocénico superior, há 10 milhões de anos, iniciam-se os primeiros movimentos de subida dos blocos que formam a serra, que se continuou por impulsos sucessivos até ao último, que terá ocorrido há cerca de 2 milhões de anos e que marcou a sua estrutura actual (Fig. 4). Este fenómeno deu origem à elevação da montanha, por movimento em sistemas de falhas paralelas, o que originou blocos diferencialmente desnivelados, provocando o efeito de escadaria com que a Serra da Estrela se apresenta (Fig. 4). A actividade tectónica, contudo, não se extinguiu, existindo, ainda hoje, actividade neotectónica, com movimentos ao longo das grandes falhas, como provam a ocorrência de nascentes termais e de sismos, frequentes na região (Ferreira & Vieira, 1999).
No Quaternário, há registo de várias grandes glaciações, a última das quais terá atingido a Serra da Estrela à cerca de 20 000 anos, com o estabelecimento de neves permanentes e de glaciares. Estes glaciares deixaram testemunhos geomorfológicos únicos em Portugal e constituem, sem dúvida, a maior originalidade da paisagem física da Serra da Estrela (Fig. 5) (Ferreira & Vieira, 1999).
          A glaciação da Serra da Estrela permitiu a existência de neves perpétuas, a partir dos 1650 metros. Isso significa que, a partir dessa altitude, as neves não fundiam de um ano para o outro, permitindo, assim, a sua compactação, dando origem ao nevado e, por fim, ao gelo. Do ponto de vista da temperatura, o nível das neves perpétuas significa uma altitude, a partir da qual a temperatura atmosférica média mensal é sempre negativa. Comparando essa situação com as temperaturas actuais, é fácil deduzir que as temperaturas eram cerca de 10º C mais baixas que actualmente (Ferreira & Vieira, 1999).
          A cúpula de gelo de planalto ocupava uma superfície de 70 km2 e uma espessura que não deveria ultrapassar os 80 metros. Pelo contrário, a espessura dos gelos, nos vales, poderia ser consideravelmente maior: por exemplo, as moreias da lagoa seca (Fig. 6) permitem afirmar que a língua glaciária do Zêzere atingia 300 metros de espessura (Ferreira & Vieira, 1999).
          Na Serra da Estrela, de uma forma geral, podemos distinguir 5 vales glaciários: o Vale Glaciar do Zêzere,  o do Covão do Urso, o do Covão Grande, o da Loriga e o da Alforfa (Fig. 6).
          O Vale Glaciar do Zêzere, alimentado pelos amplos circos do Covão da Ametade, da Candeeira e dos Covões (Fig. 6), originou a mais extensa língua glaciária da Serra da Estrela, a qual terá atingido 13 km de comprimento e a altitude mínima de 680 metros (Daveau, 1971).
          No que diz respeito à geologia, a Serra da Estrela é dominada pela ocorrência de rochas graníticas hercínicas, com composição variada, desde os granodioritos aos leucogranitos, de idade compreendida entre os 340 e os 280 milhões de anos (Fig. 7). Estas intruem metassedimentos de idade Precâmbrica – Câmbrica, entre os 500 – 650 milhões de anos, relativos ao Complexo Xistograuváquico (Brigas, 1992), que representam, assim, os depósitos sedimentares mais antigos desta região (Fig. 7) (Galopim de Carvalho et al., 1990).
          Além destes dois tipos de formações principais (Complexo Xistograuváquico e granitos), destacam-se, ainda, formações cenozóicas: aluviões, depósitos de vertente, terraços fluviais, depósitos fluvio-glaciários e glaciários (Fig. 7) (Ferreira & Vieira, 1999).





Bloco diagrama esquemático da geologia da Serra da Estrela (Ferreira & Vieira, 1999).




Bioclima, biogeografia e vegetação potencial



Bioclima, biogeografia, fitossociologia  e vegetação potencial


Bioclimatologia (veja “Introdução à bioclimatologia” em “Anexos”)
Um dos factores ecológicos principais e determinantes da distribuição dos seres vivos na Terra é o clima. Na Bioclimatologia (veja “Introdução à bioclimatologia” em “Anexos”) tenta-se encontrar as relações entre o clima e a distribuição dos seres vivos. Distinguem-se na classificação bioclimática global 5 macrobioclimas: tropical, mediterraneo, temperado, boreal e polar. Dentro dos macrobioclimas distinguem-se diversos subtipos (bioclimas) em função de temperatura, precipitação e padrões de vegetação.  Os diferentes bioclimas (subtipos) estão definidos pela temperatura média dos meses mais extremos do ano, quer dizer, pelo índice de continentalidade (Ic), e pelo índice ombrotérmico (Io).


Zonação vertical (altitudinal) nas serras pode ser atribuida também à variantes altitudinais dentro dos diversos macrobioclimas. Assume-se que o macrobioclima “temperado” cobre uma grande parte do maciço da serra da Estrela incluindo as zonas meso- supra- oro- e talvez cryoro-temperada. O macrobioclima “mediterrânico” inclui as zonas meso- e supra-mediterraneo.
Na Serra da Estrela encontram-se dois macrobioclimas, o temperado nas encostas norte e na planalto, e o mediterrânico nas encostas este como em vales protegidos. Como ambos os macrobioclimas possuem subtipos parecidos, a distinção entre estes macrobioclimas não é fácil.
Segundo J. Jansen (2002) a vegetação da Serra da Estrela representa no mínimo entre 5 e 6 variantes altitudinais de macrobioclimas. Mas como os dados climatéricos são insuficientes, os 5-6 variantes foram incluidas em apenas 3 zonas (engl. belts) de altitude diferentes: numa zona baixa, média e alta de altitude.


…So far the geographical limits of these altitudinal variants could not be distinguished in the Estrela. mainly because 1) two macrobioclimates meet within its territory; 2) there are too few meteorological data to calculate with: 3) no sufficient bioclimatic study has been carried out; and 4) the existing vegetation is seriously changed by man's impact. An extra complication is the fact that the vertical extent of vegetation belts is often subject to variation, because relief influences climate and distribution of plants. In many cases the vegetation does not separate into distinct zones, but intergrades or is patchily intermingled. Note for instance that in areas with a Mediterranean bioclimate summer drought may be locally balanced by a high water table of the soil and analogously sunny slopes may compensate summer humidity in a Temperate bioclimate.
Each belt has its own climax formations and the degraded stages of one series frequently differ from those of other series, and so does land use. As our knowledge of the Estrelean vegetation is not sufficiently enough to distinguish and attribute all stages of the climax series, it is decided to use the more general terms for the 5 or 6 belts including them in one lower, one middle and one upper belt.
The lower includes both meso-belts stretching from the foot of the mountain to ca. 800 m NN; the middle belt includes both supra-belts from ca. 800 m to ca. 1.600 m NN; and the upper one includes the oro-Temperate from ca. 1.600 m to the top and locally perhaps fragments of the cryoro-Temperate at strongly exposed sites with the highest elevations. In the following a concise survey of these belts is given.



Daí resulta o esquema de distribuição das variantes bioclimáticas e da zonação altitudinal da Serra da Estrela::



Zonação altitudinal e variantes bioclimáticas
na Serra da Estrela (From: Jan Jansen, 2002)


Biogeografia (veja “Introdução à Biogeografia” em “Anexos”)


Biogeografia é o estudo da distribuição das espécies e ecossistemas no espaço geográfico e através do tempo geológico. Organismos e as comunidades biológicas variam de uma forma altamente regular ao longo de gradientes geográficos de latitude, altitude, isolamento e área de habitat. Conhecimento da variação espacial nos números e tipos de organismos é tão vital para nós hoje como foi para nossos primeiros ancestrais humanos, como se adaptar a ambientes heterogêneos, mas geograficamente previsíveis. Biogeografia é um campo integrador de investigação que une conceitos e informações de ecologia, biologia evolutiva, geologia e geografia física.Pesquisas biogeográficas modernas combinam informações e idéias de muitos campos, desde as limitações fisiológicas e ecológicas sobre a dispersão do organismo aos fenômenos geológicos e climatológicos que operam em escalas espaciais globais e prazos evolutivas.
A biogeografia, para fins didáticos, é geralmente dividida em duas subáreas:
  • Biogeografia Histórica: Estuda como os processos ecológicos que ocorrem a longo prazo atuam sobre o padrão de distribuição dos organismos; Explica a distribuição dos seres vivos em função de fatores históricos.
  • Biogeografia Ecológica: Estuda como os processos ecológicos que ocorrem a curto prazo atuam sobre o padrão de distribuição dos organismos; Analisa a distribuição dos seres vivos em função de suas adaptações às condições atuais do meio.


Fitossociologia (veja “Introdução à Fitossociologia” em “Anexos”)


Fitossociologia é o estudo das características, classificação, relações e distribuição de comunidades vegetais naturais. Os sistemas utilizados para classificar estas comunidades denominam-se sistemas fitossociológicos.
O objectivo da fitossociologia é o de atingir um modelo empírico da vegetação suficientemente exacto através da combinação da presença e dominância de determinados táxons de plantas que caracterizam de forma inequívoca cada unidade de vegetação. De acordo com os fitossociólogos, o conceito de unidade de vegetação (ou vegetacional) pode exprimir conceitos bastante abstractos de vegetação (como o conjunto de todas as florestas de folha perene do Mediterrâneo Ocidental) ou então tipos de vegetação imediatamente reconhecíveis (como os sobreirais oceânicos de copa cerrada em dunas do Pleistoceno do sudoeste da Península Ibérica).
Tais unidades são denominadas sintaxa (singular sintaxon) e podem ser hierarquizadas num sistema denominado sinsistema ou sistema sintaxonómico. O acto de criar, melhorar ou ajustar é denominada de sintaxonomia.

Trabalhos sinfitossociológicos recentes sobre a vegetação da Serra da Estrela foram publicados por Meireles, C. numa tese de PhD em 2010[5] e  Mereiles et. al. em 2012[6].



Zona de baixa Altitude (lower belt) - até 800 m NN.


Em condições de humidade elevada, a vegetação potential natural da zona meso-mediterrânica de altitude seria formada por florestas perenifólias (folhas sempre verdes) ou florestas perenifólias mixtas de carvalho - predominantemente com sobreiro Quercus suber, em condições menos húmidas com azinheira (Quercus (ilex) rotundifolia) (cap. 2.1 em J. Jansen (2002) pp. 64-69). A vegetação potencial da zona de altitude meso-temperada seria constituia na maioria por florestas caducifólias de carvalho (Quercus) - dominado por carvalho-alvarinho (Quercus robur), mas com elementos da floresta de folhas sempre verdes.
Solos mais húmidos iam suportar florestas de freixo (Fraxinus angustifolia) e nos vales ao longo de rios e ribeiras estendiam-se galerias com amieros (Alnus glutinosa) e azereiro (Prunus lusitanica).
Em ambas as zonas de altitude, meso-mediterrênica e meso-temperada, a densidade populacional humana é a mais elevada, e por isso a perturbação também a mais intensa. Todas as florestas do climax desapareceram e foram substituidas por diferentes formações degradadas devido à actividades humanas como queimas, cortes, pastorícia, lavoura, florestação e cultivos de hortícola. Hoje apenas alguns fragmentos de florestas semi-naturais muito incompletos sobraram. Fases de degradação incluem pequenas áreas com arbustos e grandes áreas com formações baixas de arbustos subarbóreas, especificamente aquelas em que prosperam espécies de Cistus e de Lavandula. Continuação de degradação pode levar a pastagens relativamente abertas ricas em plantas anuais. Localmente, em solos relativamente ricas em nutrientes, formaram-se pastagens semi-naturais a partir de actividades humanas (pastoreio, fenação, irrigação). Comunidades de ervas originaram perante as actividades agrícolas...


… Under rather humid conditions. the potential natural vegetation of the meso-Mediterranean belt would mainly be formed by evergreen or mixed evergreen deciduous oak forests predominated by Quercus suber; under less humid conditions by Quercus rotundifolia (see 2.1). The potential natural vegetation of the meso-Temperate belt would he mainly formed by deciduous oak forests with evergreen elements mostly predominated by Quercus robur (2.2.1). More humid soils would have supported Fraxinus angustifolia (2.2.4) forests and along the rivers in the valleys Alnus glutinosa (2.2.3) and Prunus lusitanica galleries (2.2.3).
In both meso-belts, human settlement is most dense and disturbance consequently the strongest. All climax forests disappeared and have been replaced by various degraded formations due to human activities like burning, cutting, grazing. ploughing, afforestation. and cultivation. Today there are only very small and incomplete fragments of semi-natural forests left. Degraded phases include small areas covering thickets and large areas covering dwarf-shrub formations, especially those in which Cistus species and Lavandula species thrive. Further degradation may lead to relatively open grasslands rich in annuals. Locally, on relatively nutrient-rich soils, semi-natural grasslands originated by man's activities (pasturing, hay-making, irrigation). Weed communities originated from arable farming. ...



Fotos de zonas de baixa Altitude: Moinhos de Aveia (Pinhel, Guarda) e N339 de Seia em direcção à Sabugueiro (Serra da Estrela):


Cytisus multiflorus e vegetação rupícola - Moinhos de Aveia (Pinhel)


Cytisus multiflorus e vegetação rupícola - Moinhos de Aveia (Pinhel)




Ornithogalum concinnum


Casa abandonada - construida em blocos de granito



Campos com Cytisus multiflorus em floração















Cytisus multiflorum e vegetação rupícola





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Saxifraga granulata


Stipa gigantea


Stipa gigantea



Casa em granito



Cytisus ?striatus depois de um incêndio


Quercus robur


Fruto de Quercus robur




Castanea sativa em flor








Flor de Adenocarpus spec.










Quercus pyrenaica e Prunus cerasus



Flor de Adenocarpus


Fruto de Adenocarpus



Andar meso-temperado da Serra da Estrela (acima de Seia)







Veja à seguir: 13. The Northern Serras of Portugal (Serra da Estrela (Introdução - cont.))





[1] Jansen, J. 2002. Geobotanical guide of the Serra da Estrela. Instituto da Conservação da Natureza. Ministério das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, Lisboa.
[4]  Veja  também: Jan Jansen (Kap. 4): “Serra da Estrela: traditionally managed open landscape in central Portugal” in: Cultural Landscapes of Europe. Fields of Demeter-Haunts of Pan. Edited by Knut Krzywinski, Michael O'Connell, Hansjörg Küster. 2007.
[5] Meireles, C. 2010. Flora e vegetação da Serra da Estrela - aproximação fitossociológica da vertente meridionaI. PhD thesis. Jaén: University of Jaén.
[6] Catarina Meireles , Carlos Pinto-Gomes & Eusebio Cano (2012): Approach to climatophilous vegetation
series of Serra da Estrela (Portugal), Acta Botanica Gallica, 159:3, 283-287

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